Espiritualidade e sentido da vida
A
espiritualidade, que de fato dá conta de si mesma, leva à identificação
e à edificação do sentido pleno da vida que eu próprio sou. O sentido
da vida é a busca essencial de todo homem; é uma busca "necessária"; uma
busca que todo ser humano faz, queira ou não, tenha consciência dela ou
não, seja nihilista ou não.
É esta busca, essencialmente pessoal mas com efeitos "sociais", o motor
que faz acontecer a história da humanidade. Dizer busca do "sentido
pleno da vida" é o mesmo que dizer busca da realização, da felicidade,
da paz. É essa busca que nos faz diferentes dos outros seres: as coisas,
as plantas e os animais.
A esse complexo fenômeno próprio do homem, de buscar e ter que buscar o
sentido da vida, a tradição cultural ocidental chamou "espírito" e
também "alma". Modernamente dizemos existência, autonomia, liberdade,
história. O caminho para identificar e ir em profundidade no sentido da
vida é a reflexão. Refletir é bem diferente do saber informativo,
próprio da ciência.
Refletir provém da palavra latina re-flectir: "ré" indica o movimento de
duplicação; "flectir" é dobrar, curvar, fazer voltar sobre si.
Portanto, a reflexão é o dobrar-se sobre si, buscando compreender.
Refletir não é ensimesmar-se, centralizar-se sobre o próprio umbigo; é
antes pensar, mas um pensar "re-flectido".
O modo de ser da reflexão é um caminhar lento, tateante, no lusco-fusco
de um saber que não permite simplificar a realidade em preto e branco,
sim e não, certo e errado. É um modo de ser que sabe esperar, se for
necessário, toda uma vida, na tenacidade da busca, para que o sentido de
acontecimentos e do viver se manifeste. A reflexão é uma jogada
existencial que determina o vigor do meu viver total.
Tudo o que se refere à profundidade humana, ao espírito só pode ser
compreendido pela reflexão. Esta maneira de ser da reflexão é atitude
diametralmente oposta à tendência da nossa modernidade com seus valores
de projeção e dominação, pois buscar o sentido é bem diferente de buscar
o "porquê", as causas. Por isso o modo de ser da reflexão dá a
impressão de ser alienado, imprático, inútil, a-social, particularizado,
privativo.
No entanto, se formos tocados por seu sopro, aos poucos seremos por ela
transformados no nosso registro central, no sentido que anima nosso
viver, e seremos seres novos. Para caracterizar melhor o modo de ser da
reflexão, dizemos que ela tem a estrutura de história, entendendo
história como "história de uma alma", isto é, como um caminho no qual
cresce em nós uma compreensão bem experimentada da vida.
Esse caminho se dá nas vicissitudes de nosso itinerário pessoal: nos
nossos encontros e desencontros, nos sofrimentos, dores e alegrias,
fracassos e vitórias. É na medida em que caminhamos que vamos
compreendendo nós mesmos, os outros, o universo e, principalmente, o
mistério de Deus e os seus caminhos, que pulsam na dimensão mais
profunda do nosso caminhar.
À medida que caminhamos, vamos descobrindo o sentido da vida, isto é, o
rumo, o destino mais radical do nosso viver e nele vamos descobrindo as
respostas as nossas indagações e in-quietudes. É a história de nossa
"alma", isto é, daquilo que "almeja" nosso viver na sua total
singularidade.
A experiência que surge deste caminhar é bem diferente da "vivência".
Quando dizemos, por exemplo, que um homem tem grande vivência, não
sabemos se ele é experimentado na vida; só sabemos que tem sensibilidade
e é facilmente envolvido em grandes emoções.
Quando, porém, dizemos de alguém que é "homem de grande experiência",
dizemos que acumulou grande quantidade de energia de ser, de sabedoria
da vida, de evidências vitais. Na profundidade mais radical da busca de
sentido, na tenacidade de uma busca conduzida com afinco vem à tona e se
dá o encontro com a realidade ulti-míssima, Deus, o Mistério no qual
nos movemos, existimos e somos.
Ele é a verdade, isto é, como a palavra grega "alétheia" significa, ele é
a manifestação de si, a partir de si, no abismo do mistério de seu
amor, para aqueles que o buscam bem. Deus é paraíso porque coroa e
plenifica nosso itinerário de busca de sentido.
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